FALANDO SOBRE O SALMO 23
Verso 1
O salmo 23 fala sobre a relação pastor-ovelha;
fala de confiança e dependência; aqui não tem espaço para auto-suficiência,
somente para total dependência.
Conhecendo o autor deste salmo podemos
classificar este salmo como sendo égloga ou écloga, isto é, uma verdadeira
poesia pastoril.
Percebe-se de forma intrínseca e subjetiva,
nesse poema, comparações perfeitas com o ambiente, quotidiano e atributos de um
pastor de ovelhas, que somente um íntimo conhecedor desse labor poderia
descrever.
Logo, percebe-se que seu autor, ou era um
pastor ou conhecia muito bem esse ofício.
Apascentar ovelhas naquela época, exigia
extrema dedicação. Os rebanhos, diversas vezes tinham de ser levados para
lugares distantes das tendas, e seus guardadores permaneciam ausentes longos
dias. Dadas às condições climáticas e geográficas do local, água e pasto não
eram abundantes, e com essa distância, o risco do rebanho ser atacado por
animais ferozes ou ladrões, era iminente, exigindo extremo zelo do pastor pela
vida das ovelhas.
Devido a tantas ocasiões de perigo envolvendo
a vida de Davi, o autor do Salmo 23, não é possível determinar em qual delas
ele o tenha escrito, e se foi em uma dessas. No entanto, nota-se grande
demonstração de confiança nesta posição de ovelha que Davi assume dentro do
poema. Atribui-se a comparação que estabelece entre os cuidados do seu Senhor e
do pastor, à experiência adquirida enquanto guardador do rebanho do seu pai,
quando aprendera intimamente sobre a dependência da ovelha em relação aos
cuidados do pastor.
Um texto como o Salmo 23, requer atenção
intensificada, pois pertence a uma geração muito distante da atualidade e é
composto por inúmeras figuras de linguagem podendo-se aplicar interpretações
incoerentes com a intenção autoral.
Na atualidade, a maior parte da cultura
ocidental entende por pastor, um líder espiritual, alguém ligado a uma
denominação religiosa, já na cultura oriental, o termo pastor pode ser
perfeitamente empregado àquele que cuida de rebanhos, inclusive ainda se mantém
esse costume em boa parte do oriente.
Na cultura judaica, o pastor representava o
guardador do rebanho, no sentido literal, mas também cabia essa imagem aos
líderes do povo, os reis, profetas e sacerdotes, pois como dirigentes, tinham a
função de guiá-los, tal qual a função do pastor com seu rebanho.
Veja por exemplo o verso registrado em 2
Crônicas 11:2 “[...] também o Senhor teu Deus te disse: Tu apascentarás o meu
povo Israel, e tu serás chefe sobre o meu povo Israel”.
O ofício de um pastor de ovelhas, consistia e
consiste em zelar e prover as necessidades do rebanho, de tal forma que se
estabelece uma relação tão íntima, onde as ovelhas conhecem a voz do seu guia,
não atendendo ao chamado de outro que não seja o seu. O pastor providencia a
cada manhã o pasto e a água para o rebanho, pois as ovelhas por si só, não são
capazes de sobreviverem, e ao findar da tarde, o rebanho é recolhido e
encaminhado a um abrigo seguro, do frio e ataques de animais ferozes.
Davi utiliza com propriedade a relação
pastor-ovelha ao descrever o relacionamento com Ele, pois na juventude exercera
tal ofício e aprendera da confiança das ovelhas em seu pastor; e na maturidade,
demonstra nesse Senhor, a mesma certeza de proteção e providência que uma
ovelha precisa depositar em seu guia para a sobrevivência.
A característica de pastor, conferida a Deus
pelo povo judeu, é também comprovada no texto registrado em João 10:11, onde o
Messias reporta-se a eles dizendo: “Eu sou o bom Pastor: o bom Pastor dá a sua
vida pelas ovelhas”.
Verso 2
Ainda, na posição de ovelha, descreve como o
pastor guia seu rebanho, levando-o a um local com boas pastagens, pois os
cordeiros sozinhos não conseguem distinguir um bom pasto.
Algumas ovelhas preferem escolher pastagens
de qualidade inferior. [...] As ovelhas, por dificuldade de faro, são
susceptíveis a ingerir tudo o que encontram pela frente, não distinguindo as
ervas daninhas, que podem lhes fazer mal ou mesmo levá-las a morte. Se no pasto
existirem flores ou sementes coloridas, mas venenosas, que atraiam sua atenção,
as ovelhas comerão sem saber que estão se envenenando. Elas têm hábitos repetitivos,
pastam nos mesmos lugares até que destruam todo o pasto. Defecam no próprio
campo onde comem, liberando vermes e parasitas. Se o pastor não dirigi-las a
novos pastos, vão repetindo os velhos hábitos. A ovelha teimosa pastará sempre
nos mesmos trilhos. O seu fim será o emagrecimento, doenças e sofrimento.
Quanto às águas, estas têm que ser seguras,
literalmente tranquilas, pois as ovelhas sentem medo de correnteza. As ovelhas
em geral, são muito medrosas. Elas têm medo, principalmente, das fortes
correntezas, e com razão. Por causa de sua pesada capa de lã, elas dariam
péssimas nadadoras. Seria como se um homem vestido com um pesado sobretudo
tentasse nadar. A lã absorveria a água, e a arrastaria para o fundo. A ovelha
sabe, por instinto, que não poderia nadar numa correnteza forte, e por isso não
se aproxima de riachos para se abeberar; somente o faz em águas paradas. [...]
ele as guia por montanhas e vales à procura de águas tranqüilas, para ali
saciarem a sede. Se não encontra um lago tranqüilo, enquanto as ovelhas estão
descansando, o pastor apanha algumas pedras e faz com elas uma espécie de
represa no riacho, e, assim, até o menor dos cordeirinhos pode beber sem receio.
Verso 3
No versículo terceiro, o salmista diz:
“Refrigera a minha alma, guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu
nome”. O verbo refrigerar, segundo Ferreira (2001), também possui um sentido de
confortar ou acalmar, o que sugere um possível momento de tristeza vivido pelo
autor, que, confia no pastor para trazer-lhe alívio à alma.
A alma, simbolizava sua mente cansada e
preocupada, possivelmente com algum risco iminente, já que segundo sua
biografia registrada na Bíblia, enfrentou inúmeros desafios de guerra enquanto
rei sobre Israel.
...] cada ovelha tinha um lugar determinado
na fila, e durante todo o dia ela conservava a mesma posição. Algumas vezes,
porém, no decorrer do dia, elas deixavam seu lugar e se aproximavam do pastor.
Este colocava a mão no focinho ou na orelha do animal, coçava-o de leve e
sussurrava alguma coisa ao seu ouvido. Depois, reconfortada e mais animada, ela
voltava ao seu lugar. Davi se lembra de como ele próprio estivera perto de Deus
antes, de como Deus o protegera quando saíra para enfrentar o gigante Golias, e
de como ele o guiara ao longo de sua caminhada para o sucesso. Depois disso,
Davi passara a estar sempre muito ocupado, tornara-se mais capaz de cuidar de
si mesmo, e não sentia necessidade de uma dependência direta de Deus. Davi
distanciou-se de Deus. Depois pecou e isto o fez infeliz. O peso da culpa
tornou-se insuportável.
Ele sabia que as ovelhas não tinham muito
senso de direção. Um cão, um gato ou um cavalo, quando se extraviam, sabem
perfeitamente achar o caminho de volta. [...] Com a ovelha isto não acontece. A
ovelha não possui boa visão. Não enxerga mais que oito ou dez metros à sua
frente. As campinas da Palestina eram cortadas por trilhas estreitas, pelas
quais os pastores levavam o rebanho para o pasto. Algumas destas trilhas
terminavam à beira de precipícios, nos quais a ovelha desavisada poderia cair e
morrer. Outras iam dar em becos sem saída. Havia, outras, porém, que levavam a
pastos verdejantes e a águas tranqüilas. Algumas vezes, o pastor as guiava
através de passagens íngremes e perigosas, mas os caminhos por onde passavam
sempre iam dar em um bom lugar.
O salmista conclui a petição de ser guiado
pelas veredas da justiça, pondo como garantias o valor do nome desse Ser a quem
se sujeita, pois na expressão: “por amor do seu nome”, acredita na justiça que
esse nome representa, conforme os costumes de sua cultura religiosa. Em muitos
casos, no hebraico, alguns nomes traduziam qualidades essenciais, como no caso
em que Deus jura pelo seu grande nome, em Jeremias 44:26, querendo dizer que
ele jura pela força de seu nome como garantia do cumprimento de sua Palavra.
VERSO 4
Alguém já falou do vale da sombra da morte,
um vale que existe na Palestina, e vai de Jerusalém ao mar Morto. É uma trilha
estreita e perigosa que corta as montanhas. Sendo um caminho árduo, é muito
fácil uma ovelha precipitar-se ribanceira abaixo e morrer. É uma viagem difícil
que ninguém deseja fazer. Contudo as ovelhas não a receiam. Por quê? Porque
sabem que o pastor vai com elas.
Ou seja, a confiança do salmista era tamanha
no seu Senhor, que mesmo tendo de atravessar o mais perigoso vale daquela
região, com terrenos acidentados, podendo representar também os riscos que
corria, ainda assim ele não hesitaria em segui-lo, pois como a ovelha segue seu
pastor, ele o seguiria confiantemente por onde fosse.
Quanto à vara e ao cajado, objetos comumente
usados pelo pastor para proteção do rebanho, o salmista faz questão de
enfatizá-los, pois conhecia bem suas utilidades.
O pastor sempre carrega consigo um bastão
pesado e duro, de cerca de 60 centímetros a um metro de comprimento. Quando
Davi escreveu este salmo, provavelmente estava-se lembrando da necessidade que
ele próprio tivera de usar aquela vara [...] para proteger seu rebanho. Além da
vara, o pastor tem também um cajado, de quase três metros, que funciona como
uma extensão do seu braço. A ponta deste cajado é recurvada, formando um
gancho. Muitas trilhas da Palestina vão margeando barrancos íngremes. Era muito
fácil a ovelha, às vezes, desequilibrar-se e escorregar para o abismo, ficando
suspensa apenas por uma saliência estreita. O pastor então estendia o cajado;
encaixava-o no peito da ovelha, e a içava para cima, de volta ao caminho certo.
A ovelha sente-se instintivamente protegida pelo cajado e pela vara que o
pastor carrega.
VERSO 5
Nas campinas da Terra Santa, havia algumas
plantas que, se ingeridas, seriam fatais para as ovelhas. Havia outras ainda
que possuíam espinhos, e arranhariam o focinho do animal, provocando ferimentos
sérios. Antes de iniciar o período de pastagem, o pastor saía com um enxadão, e
destruía aqueles "inimigos" da ovelha. Mais tarde, ele vinha e
amontoava a erva já seca, e a queimava. Depois disso, o pasto estava pronto
para receber as ovelhas. Ele se tornava, por assim dizer, uma mesa preparada
para elas. Os inimigos tinham sido afastados.
Fazendo um paralelo aos riscos aos quais Davi
era exposto, nota-se que os inimigos retratados através da alimentação das
ovelhas, representavam os mais diversos que o rei tinha de enfrentar, e
sentar-se a uma mesa farta diante dos mesmos, poderia também simbolizar vitória
sobre eles.
Quanto ao óleo ou azeite, na cultura judaica,
tinha muita representação. Ele era usado em rituais de consagração envolvendo
reis, sacerdotes e profetas; recepção de hóspedes, para lavar e ungir as mãos e
os pés; ungiam-se os convidados de honra em banquetes e festas, pelo próprio
anfitrião. Usava-se também como remédio, e para as ovelhas possuía uma rica
importância; seus ferimentos eram tratados com azeite, porque devido à densa
lã, somente o azeite alcançava com facilidade sua pele, trazendo alívio às suas
dores.
Quando as ovelhas estão pastando, às vezes
elas cortam o focinho contra alguma pedra aguda escondida na relva. Além disso,
pode haver espinheiros, e elas sofrerem arranhões e ferimentos. Outras vezes, a
subida era íngreme, e o sol estava muito quente, inclemente mesmo. No fim do
dia, o rebanho estava muito cansado, sem forças. Ao chegarem ao aprisco, o
pastor se punha à entrada e examinava cada ovelha que passava. Se ela tivesse
algum ferimento, ele lhe aplicava um óleo balsâmico que ajudava a cicatrizá-lo,
e evitava a infecção. A ovelha ficava boa logo.
Outra peça dos apetrechos do pastor era um
vaso de barro que estaria cheio de água. Era um tipo de jarro que conservava a
água sempre fresca, pelo processo da evaporação. À medida que cada ovelha se
aproximava, ele mergulhava na água uma grande caneca cheia até a borda, e a
estendia para o animal. A ovelha sedenta e cansada sorvia com prazer o líquido
restaurador.
VERSO 6
A bondade e a misericórdia que Davi menciona,
são os cuidados de Deus, dos quais não deseja se afastar. Afirma que habitará
em sua casa por longos dias, ou seja, não se apartará do pastor, tal qual uma
ovelha pode fazer por rebeldia ou por vacilo, ocasionando riscos de ser tragada
por um animal ou morrer de sede, fome ou frio.
Neste salmo Davi compara-se à ovelha, ao
meditar nos livramentos que obtivera em momentos de turbulência, enquanto rei
da nação israelita, e atribui esses livramentos ao verdadeiro Pastor de Israel,
conforme assim se denomina YHVH.
No salmo 23, vemos: A exaltação que Davi
atribui Àquele que ele chama de Senhor, bem como a confiança e dependência
depositada neste Ser, Davi simplesmente acredita de forma convicta que está sob
os cuidados de um Ser, que é o verdadeiro responsável pela sua sobrevivência,
pela manutenção da sua vida; Davi é a ovelha que exalta, confia e depende daquele
que ele o tem por Pastor a saber, YAHVEH.
Ovelha inteligente!
Graça E Paz.
Thiago G. Sanchez
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